quinta-feira, 24 de setembro de 2009

OS FILHOS DA TERRA


O oeste da Europa, num recanto do continente, na Península Ibérica, lá estava Portugal, que reunia todas as condições para realizar um dos maiores empreendimentos da história, fazendo parte de uma intencionalidade, o império monárquico mercantilista, tinha um projeto colonial; nas suas diversas tentativas de chegar às Índias através de novos caminhos que estivessem longe do monopólio comercial, que acontecia através do mar mediterrâneo, antiga rota comercial entre o Ocidente e o Oriente, as viagens se sucederam cheias de aventuras e conquistas de novos territórios e tudo que nelas existiam, inclusive os seus povos e nações.

Em 1500, inicio do séc.XVI, em uma das investidas chega a solo brasileiro os portugueses, fincando a bandeira lusitana, marco inicial de posse do território ainda desconhecido e a ser desbravado e conquistado de fato.

Há registros de que os primeiros contatos entre brancos portugueses e os nativos, autóctones se deu de maneira amistosa, harmoniosa, recheada de curiosidades e com troca de presentes, era um processo de aproximação, em estabelecer uma relação de confiança, o que durou muito pouco, pois, logo se utilizaram da mão- de- obra indígena em troca de quinquilharias, para tanto passaram á derrubada da floresta nativa, exigiram-lhes o empilhamento de toros de madeira margeando a praia, o pau-brasil, madeira de lei, de excelente qualidade largamente utilizada na fabricação de móveis e confecção de instrumentos musicais, como também na tintura de tecidos a satisfazer a ambição mercantil, embelezando os salões da corte e a prestigiar a vaidade da nobreza, externada nas vestes e nos tecidos finos.

Em 1530, aproximadamente se deu o início da colonização propriamente dita o modelo empregado já era conhecido, experimentado em outras colônias, apresentando resultados satisfatórios e abaixo custo. O sistema de capitanias hereditárias foi responsável pelo início da ocupação territorial brasileira e conseqüente interiorização, expansão e demarcação do território, definindo mais tarde os nossos limites.

A tentativa de escravização dos nativos será cada vez maior a utilização da mão-de-obra dos indígenas será acompanhada cada vez mais da exploração da sua força de trabalho, mas também cedo descobriram a inviabilidade da sua utilização, pois, os indígenas eram muitos, conheciam o terreno, não se submetendo a escravidão, resistiram, não se adaptaram ao trabalho coercitivo, contrário aos seus costumes, que não ambicionavam a acumulação de riquezas, não estando dispostos a quebrar a harmonia reinante entre o seu povo e a natureza. A mãe terra que tantos frutos lhes deram se via agora ameaçada e aviltada pela ação colonizadora.

A ação dos bandeirantes no processo de interiorização da colônia era crescente, a ação intinerante objetivava conhecer o território, ocupa-lo, buscar ouro e pedras preciosas, mais principalmente realizar o apresamento e/ ou preação dos índios, o que se constituía numa verdadeira caçada humana dentro das matas, como se fossem animais selvagens pegos a “dente de cachorro”Estas investidas conflituosas provocou ao longo da história um verdadeiro “genocídio “,apesar de serem numerosos e acostumados ao combate nas matas, tornava-se desigual,pois ,combater com arcos,flechas,tacapes e zarabatanas contra armas de fogo, os arcabuzes, era simplesmente impossível.

Diante dos acontecimentos os índios que sobreviviam, ficando submetidos aos brancos colonizadores, sujeitos a ação, a imposição dos costumes gerou um processo gradativo de branqaueamento, as misturas raciais se deram na maioria das vezes as índias eram serviciadas pelos seus senhores, a mestiçagem vai aos poucos descaracterizando a etnia índia, os mestiços mamelucos vai aos poucos perdendo a identidade cultural à medida que a urbanização avançava, o processo de aculturação, de negação da sua cultura será cada vez mais violento e arrebatador.

Por outro lado as missões jesuíticas referendadas pela hierarquia da Igreja, no afã de cumprir com a missão de cristianizar e evangelizar lançou mão da catequese, levando os evangelhos aos mais recônditos lugares, empreendendo uma educação calcada na visão branca européia, que tinha os índios como pagãos; acreditava-se que o conhecimento da palavra e o batismo, seriam necessários para o apaziguamento dos conflitos entre brancos e índios, para tanto, chegaram a traduzir textos para a língua tupi-guarani, facilitando a compreensão, o entendimento, o discernimento da mensagem cristã. Ora, a missão jesuítica ao ser construída delimitava a sua área de ação, ganhando em autonomia e facilitando o ensinar e o aprender, nesta troca os costumes do branco fora imposto aos nativos, contribuindo para a perda de sua identidade cultural.

Em l889, Séc. XIX, chegamos à república, novo sistema político que apontava para o futuro, alimentado pelos ideais do positivismo francês e da própria revolução francesa que juntos defendiam um humanismo, a valorização do homem alicerçada na igualdade, liberdade e fraternidade; residindo aí, as grandes esperanças de mudanças que viessem sanar os grandes problemas sociais do Brasil de então.

A herança, o ranço da monarquia, perdurará por muito tempo entre nós, sendo a principal questão a ser resolvida o da propriedade da terra, pois, ao longo de toda a nossa história tornou-se o nó-górdio dos problemas sociais do nosso país, perpassando todas as épocas. Vivemos 400 anos aproximadamente, sujeitos e sob forte influência da monarquia que tinha a terra como o seu maior bem, delineando o desenvolvimento nacional, com uma economia monocultora e agro-exportadora e ao mesmo tempo fragilizada pelas intempéries do tempo, pragas e os baixos preços alcançados no mercado internacional.

Os grandes fazendeiros, senhores de engenho, dos cafezais e a ação do coronelismo nos sertões, ainda será uma constante, mantendo as sua hegemonias político-econômica alicerçadas no grande latifúndio. As oligarquias fundiárias cada vez mais ricas, castrando a maior capacidade produtora deste país, que são os pequenos agricultores.

Em síntese, acreditava-se que a república seria a redentora do nosso Brasil, que iria curar a ferida histórica da relação do homem com a terra, no entanto, constatamos no presente momento que os problemas sociais se agravam mais a mais.

A partir desta análise e contextualizando a situação do índio brasileiro é que percebemos o quanto esta etnia foi historicamente sacrificada, prejudicada no seu modo de vida, na sua cultura, costumes e valores. Trazemos conosco um grande legado de atraso no que diz respeito à forma como tratamos o nosso patrimônio humano-histórico natural.

No início do Séc. XX, surge a figura do Marechal Cândido Mariano Rondon, que ao servir ao Exército Brasileiro, descobre-se no Pensamento Positivista defendido por Benjamim Constant, impregnado de humanidade, ajudando-o a assumir a sua identidade Bororo. Neste Brasil das primeiras décadas do Séc. XX, na sua dimensão continental necessitando de uma maior integração nacional através da comunicação, lhes deram a incumbência de desbravar os Sertões, construindo a rede telegráfica, pessoa abnegada, determinada, disciplinada assumindo esta missão.

Logo descobriu que não bastava construir a rede telegráfica, pois, junto dela havia os povos, as etnias índias que deveriam sobreviver, serem preservadas, para tanto, pregou um pacifismo, aconselhando-os a não resistirem ao avanço da urbanização, da tecnologia e do desenvolvimento, ou seja, o que importava naquele momento era sobreviver, pela sua importância enquanto povos e nações que tanto contribuem para uma identidade nacional.

Diante destes fatos e da própria maturidade das iniciativas empreendidas por Rondon, nasce à necessidade de criar institucionalmente as primeiras leis que tutelem os índios brasileiros como patrimônio humano, histórico-natural, fora criado neste momento o SPI – Serviço de Proteção ao Índio, que mais tarde, em 1967,tornou-se a FUNAI – Fundação Nacional do Índio, o Estado brasileiro chama para si a responsabilidade de proteger estas etnias e com elas a preservação da memória viva do nosso povo.

Por sua vez a Igreja Católica, através da CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, criou o CIMI – Conselho Indigenista Missionário tendo por missão ajudar as comunidades indígenas na sua organização, reaglutinação,preservação dos seus costumes e valores culturais, para tanto os missionários religiosos e leigos elaboram projetos que contemplam a realidade de cada grupo,sendo este trabalho conseqüência da visão social cristã. Sem sombras de dúvidas estas ações significaram e significam muito, no que diz respeito a uma tomada de consciência da nossa realidade enquanto nação e nos anima mais ainda a perseverar no caminho de uma identidade nacional e na conquista da autonomia índia.

A partir dos elementos e vestígios culturais existentes conseguimos reconstruir a história de muitas comunidades indígenas neste país, ajudando-os a se identificarem como tal, reorganizar-se, defendendo os seus costumes e valores culturais, buscando o reconhecimento oficial e a demarcação de suas terras, vale destacar os índios do nordeste, até porque foi por aqui que se iniciou o processo de colonização, os primeiros contatos, os primeiros conflitos e com eles toda a violência que desceram sobre eles de maneira avassaladora.

Vale destacar no nordeste brasileiro, que no início da colonização existiam muitas nações indígenas que povoavam toda a região, desde o litoral até o interior do sertão, sendo eles os primeiros a sofrerem todo o processo violento de aculturação, segregação racial, desagregação social e miscigenação, este último, gerando os mamelucos conhecidos no nosso meio como “caboclos”. Na porção litorânea evidenciamos a existência da nação dos Aimorés, conhecidos como Botocudos, por utilizar-se de roldana de madeira no lábio inferior e do hábito de furar as orelhas, sendo também destemidos guerreiros.

Já no interior, mais precisamente na região ribeirinha do Rio São Francisco na sua porção navegável, nas suas corredeiras, cascatas, floresta de cana-fístulas cheia de garças brancas e outros espécimes da fauna local que sobrevivia na maioria das vezes dos charcos deixados pelas enchentes e vazantes do rio, guardavam também a nação Cariri, que falavam língua do tronco macro-jê que os integravam harmoniosamente neste universo natural.

Salientar estas nações tão importantes no contexto histórico nordestino é falar da nossa memória revivida no presente, através dos povos desta região, tais como:Truká / Paulo Afonso, Pankararé / Brejo do Burgo, Kantaruré / Glória , Xucuru-Kariri / Glória, Tuxá / Rodelas , Atikum / Rodelas, Truká / Sobradinho, Kiriri / Banzaê, Atikum / Curaçá, Pankarú / Serra do Ramalho, Tumbalalá /

Abaré e Curaçá, Kaimbé / Euclides da Cunha. .